A História Econômica dos Family Offices

Na história econômica, a evolução dos Family Offices marca a transição de estruturas simples de gestão de fortunas familiares para estruturas de investimento e consultoria sofisticadas. Com diversas mudanças nas estratégias de investimento, a importância dessas entidades na gestão de grandes fortunas tornou-se cada vez mais significativa.

O conceito de um gestor responsável pela administração do patrimônio de famílias específicas tem seu primeiro registro no Egito Antigo, onde altos oficiais conhecidos por “vizires” atuavam como supervisores de todas as questões do reino, incluindo as finanças e bens do faraó. Eles administravam terras, coletavam impostos e controlavam os recursos do Estado, o que também incluía gerenciar a riqueza da família real. Além disso, na China antiga, o responsável pelo cargo de “chancellor” ou “primeiro-ministro”, também administrava os assuntos financeiros e patrimoniais do imperador e sua família, garantindo que a riqueza do império e da família imperial fosse bem gerenciada e preservada. Já a administração do patrimônio de uma gama maior de famílias tem seu início datado na Roma Antiga, onde os “maior domūs” (principais da casa) supervisionavam o patrimônio e a administração doméstica de famílias nobres.

No entanto, o surgimento da base do conceito moderno de Family Offices foi criado apenas durante o século XIX. Na época, algumas famílias industriais proeminentes – como os Rockefeller e os Morgan – se tornaram insatisfeitos com as ofertas limitadas de bancos e corretoras, optando por montar suas próprias equipes de especialistas para supervisionar suas finanças. Com o tempo, a ideia de contornar Wall Street com a criação de um Family Office começou a se popularizar entre empresários de tecnologia, serviços financeiros e outras indústrias, ampliando significativamente o número dessas entidades.

No Brasil, essa mesma movimentação se deu por meio de figuras similares às dos Estados Unidos. O Barão de Mauá, por exemplo, assumiu um papel semelhante ao de J.P. Morgan no setor econômico. Empreendedor e industrial do século XIX, Mauá foi pioneiro em diversas frentes da economia brasileira, e fundou o primeiro banco brasileiro com operações de crédito, desconto e depósito, o Banco do Brasil – não a instituição estatal atual, mas um banco privado que usava o mesmo nome. Ele também fundou e investiu em várias empresas, incluindo estradas de ferro e empresas de navegação, sendo um dos primeiros a implementar práticas de modernização industrial no Brasil.

Ao longo do século XX, à medida que mais famílias acumulavam riquezas significativas, o desenvolvimento de novas tecnologias nos mercados financeiros que demandavam um nível mais elevado de expertise e sofisticação dos consultores financeiros também auxiliou na popularização dos Family Offices. Essa tendência foi acompanhada pela consolidação da indústria de serviços financeiros, que redefiniu o papel dos bancos fiduciários que historicamente atendiam famílias ricas.

A crise de 2008 também trouxe uma nova perspectiva para a sociedade, de que até mesmo as instituições financeiras mais robustas podem enfrentar grandes dificuldades. Essa nova visão, unida à crescente complexidade dos mercados financeiros e a globalização dos investimentos, exigiram uma abordagem de gestão financeira mais sofisticada, que incluía não apenas a gestão de ativos, mas também o planejamento tributário, a governança familiar, a sucessão e a educação financeira para as gerações futuras, assim como o acesso ao mercado de capitais e a empréstimos e alavancagens. O modelo dos Family Offices emergiu como uma resposta para atender essas necessidades de múltiplas famílias, oferecendo uma gama mais ampla de serviços personalizados e expertise compartilhada.

Além disso, essa estrutura de negócios passou a apresentar uma diversificação maior de modelos e serviços, podendo ser configurados de várias maneiras, dependendo das necessidades específicas de cada família. Algumas optam por um Single-Family Office, que serve apenas uma família, enquanto outras optam por Multi-Family Offices, que oferecem serviços de gestão de patrimônio para várias famílias.

Desde 2000, houve um aumento significativo no número de Family Offices no geral, impulsionado pela crescente complexidade na gestão de ativos e pela expansão da riqueza global, com muitos novos bilionários surgindo da explosão das empresas de tecnologia e startups. Um relatório do “Economist Intelligence Unit” e “DBS Private Bank” estima que existam cerca de 10.000 single-family offices e 5.000 multi-family offices em todo o mundo, com metade deles estabelecida desde 2005. Esses escritórios administram aproximadamente 6 trilhões de dólares em ativos sob gestão (AUM), destacando sua crescente importância como fonte de investimento global​​.

A estratégia de investimento dos family offices modernos – particularmente dos Estados Unidos – foi fortemente influenciada pelo modelo de endowments de instituições acadêmicas, especialmente devido ao sucesso do endowment da Universidade de Yale. Esses fundos, que visam a perpetuação de riquezas por meio da visão de longo prazo, ampla diversificação de ativos, e constante reavaliação e reequilíbrio do portfólio para alinhamento com os objetivos financeiros. A adoção dessa abordagem pelos Family Offices americanos e europeus marcou uma transição de estratégias de investimento mais conservadoras para a busca de maior eficiência e retornos ajustados ao risco, embora ainda seja pouco aplicada pela maioria das casas brasileiras.

Estratégias de investimento como as de Endowment permitem não só a preservação do capital principal contra perdas significativas, mas também a geração de rendimentos estáveis e da perpetuidade do patrimônio, possibilitando aos investidores a criação de um legado sustentável. Com essas novas e eficientes oportunidades patrimoniais, grandes famílias e investidores optaram por migrar seu patrimônio, saindo de bancos e contratando o serviço de Family Offices. Essa movimentação, que já ocorreu em grande parte nos Estados Unidos, ainda está se iniciando no Brasil, o que indica o crescimento deste tipo de serviço no mercado financeiro para se acomodar a essas novas necessidades de investimentos.

Entretanto, essa expansão não ocorre sem dificuldades. Os desafios para Family Offices surgem com maior frequência e velocidade no cenário econômico atual, e dificuldades normais do mercado, como alta volatilidade, incertezas geopolíticas e mudanças nas regulamentações fiscais, são agravadas e complementadas pelos novos desafios tecnológicos. Para enfrentar essas dificuldades, os Family Offices devem se tornar inovadores, mas são poucas as casas que, até o momento, de fato tenham sido capazes de desenvolver novas abordagens e soluções. Atualmente, os maiores desafios da indústria de gestão de patrimônio estão relacionados à tecnologia, com o surgimento da demanda da implementação e utilização de tecnologias avançadas como inteligência artificial e aprendizado de máquina para melhorar a análise de investimentos e a personalização dos serviços no mercado. Além disso, há um foco crescente na sustentabilidade e nos investimentos de impacto, refletindo uma mudança em direção à criação de um legado que vai além do mero crescimento do capital, assim como um desafio relacionado à conexão e atendimento das novas gerações, que apresentam diferenças significativas em relação às suas antepassadas.

Essas gerações mais jovens, que em breve herdarão essas grandes fortunas, estão começando a moldar o futuro dos Family Offices, com um foco particular em investimentos globais, buscando uma geração de valor perpétua e com uma demanda de temas e investimentos mais modernos, ligados à novos ideais e tecnologias. Uma pesquisa realizada pela Morningstar – e adaptada pelo Visual Capitalist – conduzida com 312 respondentes selecionados aleatoriamente de uma base de 3.003 indivíduos que atualmente trabalham com um consultor financeiro, busca captar as principais razões da contratação dos serviços desses consultores. As necessidades ou objetivos específicos foram citadas por 32% dos respondentes, enquanto as motivações mais ligadas a fatores emocionais atingiram mais de 39% dos indivíduos. A habilidade de um consultor e de empresas financeiras para abordar metas específicas dos clientes, oferecer coaching comportamental, e construir relacionamentos de qualidade são consideradas essenciais pelas novas gerações. Por isso, os Family Offices precisam estar preparados para oferecer serviços e atender a essas demandas dos jovens.

A história dos Family Offices reflete uma dinâmica de constante evolução e adaptação às mudanças econômicas e às necessidades de famílias investidoras. Originalmente administradores de riqueza, os Family Offices se transformaram em consultores, de confiança do investidor, que oferecem uma gestão patrimonial abrangente. Essa transformação acompanha não apenas a evolução nas estratégias de investimento, mas também a necessidade crescente de diversificação global, organização de patrimônio e otimização de investimentos alternativos, especialmente notável nos Multi-Family Offices americanos. Diante deste cenário, torna-se essencial que as famílias e investidores busquem essas casas de gestão mais avançadas, que se posicionam não apenas como gestores, mas como verdadeiros parceiros estratégicos na preservação e crescimento de fortunas através das gerações, com o objetivo claro de não só aumentar, mas prosperar o patrimônio com um propósito definido. A tendência aponta para um futuro onde apenas os Family Offices que abraçarem essa visão holística e dinâmica poderão realmente se destacar e atender às expectativas modernas de gestão patrimonial.